Por que é mais fácil inovar na franja do curso?

Guilherme Forma Klafke e Marina Feferbaum
04 de março de 2021

Créditos: pixabay.

 

As ementas das disciplinas oferecem verdadeiros itinerários de conteúdo, que muitas vezes mimetizam manuais didáticos ou livros clássicos

 

Consideramos as instituições de ensino superior locais de inovação e invenção, mas, quando se trata de ensino, notamos mais experimentações docentes nas atividades periféricas do que no programa central de ensino. Novas ideias são produzidas, testadas e julgadas de maneira ininterrupta nas universidades, acrescendo, renovando ou inovando o repertório acadêmico em uma dinâmica bastante intensa. Com tamanha vocação para novidades, seria de esperar o mesmo dinamismo no processo de ensino-aprendizagem, tanto da graduação quanto da pós-graduação. Mas vemos poucas tentativas na grade curricular, especialmente nas disciplinas obrigatórias, de conteúdos que mimetizam ou livros clássicos, e pelo contato com o meio social. As disciplinas optativas, por sua vez, atraem estudantes pelo interesse e não sofrem com as mesmas exigências das disciplinas obrigatórias. Como matérias voltadas para especialização ou reflexão, não são obrigadas a fornecer o “conteúdo mínimo” do curso.

Ao apoiar-se nesse conteúdo, genuinamente, vislumbra um benefício concreto dele, enquanto procura sua turma usando novas reflexões, novas formas de agir e novas maneiras de pensar. A estrutura física e a grade curricular desempenham um papel menos importante do que as chances de aprendizagem que a universidade oferece aos estudantes. Ela não se faz apenas dos livros de sua biblioteca nem de lousas eletrônicas, mas do intenso fluxo de conhecimento construído nas relações dentro e fora de sala de aula. A mera transmissão de informações não aumenta senão marginalmente a chance de aprendizagem, razão pela qual a internet não extinguiu as instituições de ensino, apesar de se posicionar como repositório de informações por excelência. No ambiente universitário, há possibilidades de aprendizagem em praticamente qualquer contexto, dos acalorados debates nos corredores sobre a cultura de cancelamento e o Big Brother Brasil aos encontros na cantina para discutir a prova de microeconomia.

Se o aprendizado decorre do contato dos alunos com esse turbilhão de conhecimento e relações sociais, o currículo formal (grade curricular, ementas de disciplinas etc.) pode ser menos importante do que uma experiência significativa de aprendizagem. Os programas centrais se destacam mais pela função certificatória da titulação que oferecem e, por conseguinte, das possibilidades profissionais que isso proporciona, do que pelos objetivos que as instituições colocam nos próprios projetos pedagógicos. Considerando, ainda, as diversas exigências que os programas centrais têm de cumprir, muitas regulatórias, eventuais projetos de inovação de metodologia de ensino tornam-se temas secundários. Se esse prognóstico estiver correto, então as estruturas formais podem até limitar a inovação do ensino.

Para que a inovação permeie também o centro da formação é necessário criar uma abertura para a experimentação docente também na grade básica, a começar pelo investimento em formação docente e pelo envolvimento dos discentes nas dinâmicas de ensino. Para isso, é necessário amplo apoio da IES e das coordenações para dar segurança aos envolvidos nessa empreitada, como uma maneira de equilibrar outros desafios, como tamanho das turmas, heterogeneidade discente e preparação prévia. A flexibilização dos currículos pode até ajudar, mas não é condição necessária desse processo. Não é necessário jogar o bebê com a água do banho.

 

 

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