IAs generativas e ética na prática jurídica

Marina Feferbaum
03 de fevereiro de 2024
Marina Feferbaum

As transformações tecnológicas que vivenciamos em menos de um ano são bastante significativas. Com a disseminação das ferramentas de Inteligência Artificial Generativa (IAG) e seu uso na advocacia a partir de 2023, os desafios que enfrentaremos em 2024, provocados por esse contexto, são ainda maiores.

Para além dos recursos tecnológicos e das novas formas de se trabalhar às quais muitos se habituaram durante a pandemia, como reuniões virtuais, armazenamento de arquivos em nuvem, ambientes digitais de colaboração, entre outros, as IAGs vêm impactando o modo como exercemos nossa profissão. Document discovery, expertise automation, legal research, document management, Contract and Litigation Document Analytics e Predictive Analytics são algumas das principais tecnologias digitais em fase de aplicação nas práticas jurídicas. A profissionalização dos serviços, a otimização do nosso trabalho e o ganho de produtividade em vários níveis por meio de sistemas que leem, organizam, classificam e correlacionam uma quantidade de dados que ultrapassa a capacidade humana inauguram uma nova Era.

Diante de tantas ferramentas surgindo no mercado, cada uma realizando tarefas específicas, a tendência é caminhar para um movimento de plataformização das soluções jurídicas, ou seja, contar com um sistema que apresente uma solução única. Em vez de contratar separadamente vários recursos diferentes, teremos apenas um painel concentrando as operações.

Nesse sentido, a pesquisa Formando a Advocacia do Presente e do Futuro – Habilidades de Pesquisa e Atuação (2023), realizada pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação (CEPI) da FGV Direito SP, que buscou identificar os impactos da tecnologia no mercado jurídico, mapeou o surgimento de novas áreas criadas nos últimos anos, como a de Legal Operations ou Legal Ops (Operações Legais em português). Tal setor dentro de escritórios e departamentos jurídicos é voltado justamente à otimização e à modernização da gestão dessas demandas administrativas. Contudo, todas essas mudanças trazem consigo muitas preocupações éticas, de segurança da informação, privacidade e proteção de dados até vieses preconceituosos e controversos. Tornou-se, portanto, urgente pensarmos em como conduzir esse processo com princípios éticos, de forma que as organizações não compartilhem suas bases de conhecimento. Grandes escritórios e instituições estão, por exemplo, contratando plataformas segmentadas e em ambientes fechados ao público externo.

Vale lembrar que, apesar da forte disseminação dessas ferramentas, seu uso não ocorre de maneira uniforme, pois há diferentes níveis de apropriação das novas tecnologias e mesmo de uma cultura digital na prestação de serviços jurídicos. Por isso, o letramento digital também deve ser um ponto essencial na construção de uma advocacia em 2024.

Não nos esqueçamos, porém, que apesar de estarmos cercados de tantas tecnologias e inteligências artificiais generativas, todas muito eficientes e que modificarão ainda mais o cenário atual, não há tecnologia comparável à inteligência humana. Para construir, portanto, uma prática jurídica sustentável, com bases éticas sólidas, precisamos ter como parâmetro, mais do que nunca, o que nos é intrínseco: nossos valores humanos.

 

 

Originalmente publicado em:
https://conteudo.agenciajavali.com.br/guia-tendencias-do-mercado-juridico-para-2024