Como evitar salas vazias e professores desmotivados

Guilherme Forma Klafke e Marina Feferbaum
04 de maio de 2021
Como evitar salas vazias e professores desmotivados. Marina Feferbaum, Revista Ensino Superior

Créditos: pexels.

 

O ensino híbrido deve ser uma escolha certeira. De nada adianta o investimento se o encontro presencial não tiver nenhum significado para os estudantes.

 

Você pode se identificar com a seguinte situação: uma pessoa conhecida nossa é professora de um curso jurídico que retornou ao ensino híbrido emergencial no 2º semestre de 2020. A instituição investiu em aparelhos para a sala de aula e infraestrutura para a interação dos professores com uma turma on-line e presencial ao mesmo tempo. A presença física é facultativa. O resultado até agora? Estudantes optaram por não se deslocar, os professores encontraram salas vazias e muitos simplesmente optaram por continuar dando o curso integralmente a distância, apenas com atividades presenciais pontuais. Com a iminência do retorno ao ensino presencial, há quem esteja apostando no modelo híbrido não apenas como uma forma de lidar com o cenário de pandemia, mas como uma estratégia de reposicionamento da instituição frente a uma forte contração das matrículas no ensino superior e a perspectiva de concorrência. Também há quem ache que não vale a pena voltar ao presencial depois de viver a continuidade das aulas on-line. E, finalmente, há quem considere que o presencial deve voltar – para alguns, até como era antes.

A tendência de muitas instituições é seguir a primeira proposta em alguma medida. A ideia é mesclar as modalidades de ensino a distância e presencial. As universidades que possuem condições de investir em salas de aula em formato híbrido estão se reestruturando para oferecer essa estrutura. A expectativa é grande para retomar as aulas presenciais a qualquer custo, já que o preço a pagar pelo não retorno pode ser caro em termos de evasão e perda de matrículas. Contudo, além do investimento, também há um valor para o processo de ensino, que é o objeto de nossa reflexão.

Uma sala de ensino híbrido é supercara, requer infraestrutura, investimento tecnológico e treinamento técnico e docente. Em um cenário de IES em crise financeira e com pouca verba neste momento econômico delicado, queremos conversar diretamente com quem pretende implantar essa modalidade de ensino neste momento. Se realmente compensa é uma pergunta a ser feita, mas, indo além, devemos nos perguntar como fazer com que valha a pena proporcionar encontros presenciais.

 

RELAÇÃO SIGNIFICATIVA ENTRE O PRESENCIAL E O ON-LINE NO ENSINO HÍBRIDO

O ensino híbrido, ainda que emergencial, deve ser uma escolha certeira. De nada adianta o investimento se o encontro presencial não tiver nenhum significado para os estudantes. Caso contrário, o resultado serão salas vazias, professores desmotivados, uma cultura de indiferença à instituição e seus espaços físicos e, em última instância, a evasão e o desinteresse pelo ensino superior.

Sabemos que cada ambiente tem suas vantagens e desvantagens. O presencial é fundamental para a construção dos laços sociais (inclusive networking), para o desenvolvimento de competências sociais e atitudes específicas, como a leitura da linguagem corporal, e para a aplicação de métodos de ensino que dependem do físico, principalmente aulas práticas e simulações. A desvantagem, claro, é a necessidade de deslocamento, as questões de infraestrutura e as dificuldades de integrar tecnologia às atividades. O virtual se mostrou fundamental para abranger pessoas que, de outra forma, não poderiam estar presencialmente (como pessoas de grupos de risco), mas também mostrou virtudes como o estímulo ao letramento digital por meio da prática, abertura para outras dinâmicas de aula (como interação com especialistas) e mais horas disponíveis para estudos. Como desvantagem, a desigualdade no acesso à internet e os problemas de uma educação mediada por tecnologia se fizeram sentir em todos os contextos. Em um ensino híbrido no qual parte da turma está no ambiente presencial e parte no ambiente on-line, é necessário pensar a relação dos ambientes de modo que as pessoas fiquem engajadas e motivadas a aprender em ambos. Mas como fazer isso? Vamos apresentar alguns modelos de relação nesse ensino flex.

 

SEPARAÇÃO TOTAL ENTRE O PRESENCIAL E O ON-LINE

O primeiro modelo é mais simples, embora talvez mais trabalhoso para os professores. Consiste em tratar cada ambiente separadamente. Prepara-se uma aula para os estudantes no presencial e uma aula para os estudantes no on-line, ainda que eventualmente alguma parte do encontro possa ser comum para ambos os grupos – por exemplo, no caso de uma palestra.

A vantagem desse modelo é que possibilita pensar as atividades mais adequadas para cada um dos ambientes, tentando extrair o melhor do que há em cada um. Para exemplificar, imagine uma aula prática ou uma simulação em que a turma presencial vivencia algo que aconteceria na realidade física, enquanto a turma on-line realiza algo que aconteceria no ambiente virtual em seu futuro profissional. No direito, isso significaria conduzir um júri simulado presencial e um júri simulado por videoconferência. Outro exemplo seria conduzir um debate em sala de aula sobre um problema enquanto os alunos em videoconferência resolvem casos em aplicativos como Google Forms ou Socrative, que possibilitam a entrega de respostas automaticamente. No limite, seria possível até mesmo dividir a turma em dois grupos, A e B, sendo que na primeira semana o grupo A vai presencialmente enquanto o grupo B realiza uma atividade assíncrona, invertendo-se na semana seguinte.

A desvantagem do modelo é a carga de trabalho que impõe ao professor, tanto na preparação das atividades, quanto na aplicação e, depois, na correção. Quem adotar essa forma de trabalhar o presencial e o on-line deve ser capaz de gerenciar duas atividades acontecendo simultaneamente ou ter alguma espécie de apoio (como monitor ou aluno indicado para isso).

 

UNIÃO TOTAL ENTRE O PRESENCIAL E O ON-LINE

Ao contrário do modelo anterior, na união entre os ambientes os estudantes fazem a mesma atividade, interagem diretamente entre si, independentemente de estarem presencialmente ou on-line. Sem dúvidas, é o modelo que oferece o maior desafio para manter os dois ambientes significativos ao mesmo tempo para os estudantes, embora com a menor carga de trabalho para o docente.

Vejamos o exemplo mais básico e tradicional: a aula totalmente expositiva. Ela serve da mesma forma tanto para quem está presencialmente, como para quem está virtualmente. A interação com o professor pode acontecer oralmente ou via chat. Esse é o pior cenário para o ensino híbrido, porque depende totalmente da fé no entusiasmo e na ética do dever dos estudantes. Convenhamos que, nesse cenário, só três motivos levariam alguém a escolher a faculdade e não o conforto da casa ou a necessidade do trabalho: presença obrigatória, vontade de interagir com os colegas (fora da sala de aula, diga-se de passagem) ou necessidade da infraestrutura do local, por não ter bom acesso à internet ou precisar da biblioteca. Como repetimos exaustivamente, e o professor José Garcez Ghirardi, da FGV Direito SP, bem explica em seu livro Ainda precisamos da sala de aula?, se a ideia é oferecer palestras, o ambiente virtual é mais competitivo.

A união entre os ambientes só funciona, então, se a atividade for igualmente significativa em ambos e não for colocar um com mais vantagem sobre o outro. Como? Voltando ao exemplo do júri simulado, seria possível posicionar presencialmente os atores como juiz, advogados e partes, que precisam conversar mais dinamicamente entre si durante a atividade, enquanto os jurados são colocados em videoconferência. Eles estão na mesma atividade, mas em ambientes diferentes. Numa atividade clínica, o professor poderia pedir que alguém do ambiente on-line falasse o que o estudante no ambiente físico deve fazer.

 

COMUNICAÇÃO ENTRE PRESENCIAL E ON-LINE

Finalmente, um terceiro modelo de relação estabeleceria uma comunicação entre o presencial e o on-line, intercalando momentos de interação direta entre os estudantes e momentos de interação dos conjuntos em seus ambientes (presencial ou virtual). Este é um modelo que diversifica bastante as possibilidades de dinâmicas e objetivos de aprendizagem, mas também exige do professor um cuidado constante com a relação entre os dois ambientes.

Para exemplificar, imagine novamente a aula prática ou a simulação, mas, nesse caso, a turma presencial faz uma tarefa clínica enquanto a turma on-line assiste e discute em grupos virtuais o que foi correto ou incorreto na simulação. Depois, ambos os conjuntos se juntam para refletir sobre o que observaram e vivenciaram. É uma forma adaptada de aplicação do GV-GO que aproveita a presença de um grupo naturalmente “fora do ambiente” para transformá-lo em grupo de observação. Para o grupo que está no ambiente on-line, desenvolvem-se habilidades de avaliação e observação, enquanto para o grupo que está no presencial desenvolvem-se as habilidades exigidas na prática.

 

ENSINO HÍBRIDO VALE A PENA?

Com os aprendizados positivos e negativos que tivemos com o ensino on-line, vislumbramos um crescimento da associação dessa modalidade com momentos presenciais. Percebemos que nada substitui o presencial, que continuará sendo, portanto, um momento muito especial. Como lidaremos com essa relação de possibilidades? Que diretrizes estabelecer diante das novas circunstâncias, tecnologias e necessidades humanas? Como e quais pactos construir com os estudantes? Qual é o preço dessa volta ao ensino presencial, após termos aprendido tanto sobre ensino on-line, experimentado várias técnicas e refletido sobre os objetivos de aprendizagem que temos para nossos(as) alunos(as)? Será que vale a pena uma aula híbrida mais ou menos ou um ensino on-line bem feito?

Achar o melhor dos dois mundos é o grande desafio. O que fica para o ensino on-line e o que é do presencial? O que realmente é insubstituível no contato físico, na nossa relação com o outro? Num momento em que a pandemia ainda gera muitas incertezas e que instituições procuram se estruturar para enfrentar os desafios atuais e futuros, sabemos que é preciso urgentemente construir coletivamente esse projeto de ensino híbrido e retorno ao encontro presencial de maneira significativa. Os modelos que apresentamos são uma tentativa de evitar que dependamos apenas da boa vontade dos estudantes ou enfrentemos salas vazias e professores desmotivados. Quem se soma a esse desafio conosco?

 

 

Originalmente publicado em:
https://revistaensinosuperior.com.br/